Casamento

Casamento


Conforme relatos de alguns dos índios mais velhos registrados por Maria Rosário de Carvalho na aldeia de Barra Velha, na década de 1970, antigamente, casava primo com primo pra não acabar a nação, agora é que modificou. [...] Eles cortavam pau, uma tora de pau... se o rapaz guentasse pegar aquela tora de pau, tava bom de casar. Se a moça também guentasse suspender, tava boa de casar. Se num guentasse, num tava bom de casar ainda. O casamento era com um parente, com primo... fora não, tudo era parente”.
A prática era entendida como um pré-requisito para a realização do casamento à medida que testava a capacidade física dos pretendentes em prover necessidades mútuas em situações de risco:
quando um adoecesse pela mata, uma dor ou sentido de um bicho, botava aquele homem nas costas e vinha com ele pra rancharia. Se ela adoecesse também pelas matas, ele tinha de trazer ela nas costas. Pois tinha de suspender o pau”.
Em Coroa Vermelha, é comum ouvir-se relatos de que, em tempos passados, quando um rapaz se interessava por uma moça, atirava-lhe uma pedrinha. Em um novo encontro, se a moça desejasse corresponder ao cortejo, retribuía, atirando-lhe outra pedrinha. Durante algum tempo, os enamorados prosseguiam com o jogo de pedrinhas, até que o rapaz lançasse uma flor, como sinal de pedido de casamento. Esse ato era seguido de uma conversa entre o casal e o cacique, que se dirigia aos pais da moça para formalizar a união (Castro, 2008, p. 123).
João Nascimento relatou a Carvalho, em 1976, que no seu tempo, o homem interessado pedia a moça em casamento ao seu pai, marcava o dia pra “juntar”, geralmente sábado à noite, “cantava, fazia aquela roda”. Ademais, para que houvesse a união consensual, o rapaz deveria dispor de alguma fonte material que assegurasse a reprodução do casal e da futura prole: “tendo aonde eles comer, casava”, e um abrigo – kijemi – separado das famílias de orientação.
Os “casamentos de antigamente” costumavam ser realizados em idade tenra. Inúmeras mulheres diziam, nos anos 1970, ter-se casado “modernas/pequenas”. De acordo com essa expressão, era o marido quem as “criava”. “Ele já era homem de mulher e eu menina. Eu era menina, mas tinha corpo”. Em situações em que rumores eram suscitados por certas relações afetivas – “o pessoal falava que ele tinha bolido com aquela moça” – a expectativa de todos era de que os envolvidos passassem a viver juntos. O intercurso sexual antes da união consensual era caracterizado como roubo, sendo frequentes os comentários sobre roubos entre as aldeias.
Atualmente, a prática de carregar a tora tem sido recuperada em cerimônias realizadas na Reserva da Jaqueira, na Aldeia Coroa Vermelha. Assim, alguns casamentos religiosos, tanto os contraídos na Igreja Católica quanto nas inúmeras igrejas evangélicas estabelecidas no entorno da TI, são sucedidos pelo ritual indígena, em uma grande festa que atrai índios e não índios. Além de carregar o peso equivalente ao da noiva, o noivo deve mostrar habilidades com o arco e a flecha. Após essas provas de resistência, acompanhadas pela assistência com entusiasmo, o cacique conduz uma cerimônia na língua pataxó, o Patxohã (Castro, 2008, p. 123).







Comentários

Postagens mais visitadas deste blog

Ritual do Awê

Patxohã - “língua do guerreiro pataxó”

Jogos pataxó