Práticas rituais e festas

Práticas rituais e festas


Os Pataxó reportam-se, muito frequentemente, aos Abatirás, “Baquirás” ou “Abaquirás” e aos Habiá. Os primeiros estão relacionados à Juacema ou ponta de Juacema, como é mais conhecido esse local, um trecho da costa de Porto Seguro onde as falésias avançam sobre o mar, localizando-se entre os rios do Frade e Caraíva, mais próximo deste último. A primeira referência que Carvalho registrou sobre o tema foi em Barra Velha, em 1976, período em que os Pataxó ainda permaneciam em grande isolamento. Ao tentar extrair informações sobre a “história dos antigos”, ela ouviu, após certa resistência, de João Nascimento, já falecido e reputado, à época, como relevante depositário da tradição, “que aí base de uns 03 dias chegou os índios, aí arrasou a Juacema. Esses índios era daí de cima. Chegou os índios por terra, por cima do terreno, com arco, e o Baquirá por baixo do chão... Baquirá é índio brabo, brabo mesmo. Acho que eles mora debaixo do chão que ainda não descobriram essa Aldeia. Cavaram um buraco, tem 02 buracão... um perto da costa e outro lá em cima. Acho que nunca descobriram essa Aldeia de índios, chamam Baquirá” (Carvalho, 2008, p. 17).
O mesmo informante declarou, à mesma época, que os antigos diziam que eles vinham fazer guerra aqui fora. Brigando de arco, era assim que eles brigavam. “Em Juacema, o filho do caboclo, do índio, pegou um bem-te-vi (índio da beira da costa mesmo, Pataxó) e esse bem-te-vi fez uma guerra com eles. O filho do civilizado bateu no filho do caboclo e tomou o bem-te-vi. Foram pra mata chamar os outros e quando vieram, fizeram uma guerra. E os outros, os Abaquirá, sairam debaixo do terreno. Fizeram guerra e acabou com a Juacema. Saíram debaixo do chão – tem o buraco de onde eles sairam, os Baquirá. Os antigos contavam isso e prova que ainda tem lá os buracos” (Carvalho, 2008, p. 18).
A tradição oral pataxó é reproduzida pela tradição escrita dos viajantes, cronistas e historiadores. O príncipe Maximiliano de Wied-Neuwied, em visita à região, ao longo dos anos 1816-1817, passou pelo local, descrito como uma planície seca de campos, atingida após percorrer altas e íngremes ribanceiras de argila e arenito, seguidas de uma trilha escarpada até o cimo das barreiras, após o que o visitante entra em Juacema. De acordo com a tradição dos moradores locais registrada pelo príncipe, houve, nos primórdios da colonização portuguesa, uma grande e populosa vila assim também denominada, ou Insuacome, que foi destruída pela guerra com uma bárbara e antropófoga nação dos Abaquirás, ou Abatirás. Para o príncipe, essa tradição se basearia, indiscutivelmente, nas devastações causadas pelos Aimorés ou Botocudos à capitania de Porto Seguro, quando a invadiram em 1560, ocasião em que também assolaram os estabelecimentos à margem do rio Ilhéus, ou S. Jorge até que o governador, Mem de Sá, os rechaçou. (...)” (Wied-Neuwied, 1958, p. 221).
Tanto os Bakirá quanto os Habiá são seres vivos, sendo os segundos descritos por aqueles que os veem e com eles se comunicam, como morenos, falantes da língua corrente, de tamanho normal e aspecto humano, e com a peculiaridade de não comerem sal. Há, ainda, o somsim saperé, um homem com a perna enrolada na outra, cheio de ferida. É humano e invisível. Mas, do mesmo modo que os humanos, os “bichos do mato” encantam. Caipora, por exemplo, é uma mulher, dona da criação do mato. Trata-se de um segredo... porque é encantada. Comenta-se largamente que no Pé do Monte “tem bicho homem, fica sob o chão”. O boitatá é também um homem invisível, com fogo sobre a cabeça. O giburinha é também invisível, um homem pequeninho que, pelo rastro, tem alguns centímetros. Mas gosta de mulher e as engravida. Em Barra Velha nasceram quatro gibura fêmeas. Ele rói a mangaba caxandó, guaru, a mulher come... quando o menino não sai pequeno, sai com dente, é produto do gibura. Tem ainda uma qualidade de nego d´água, uma gente d´água encantada, quando pressente uma mulher, ela mergulha fundo com ele e faz sexo. A pele é escura, como de lontra, ariranha.







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